
Reis do Sertanejo Recebem Coroa de Ouro no Templo da MPB
O tapete vermelho do mais prestigioso prêmio da música nacional se prepara para receber não apenas estrelas contemporâneas, mas a própria história viva de um gênero que conquistou o Brasil. Chitãozinho & Xororó, dupla sinônimo de perseverança, talento e revolução no sertanejo, serão alçados ao panteão dos imortais na próxima edição do Prêmio da Música Brasileira. A honraria especial, reservada a carreiras que moldaram a identidade sonora do país, soa como um reconhecimento tardio, porém merecidíssimo, a dois meninos de Campo Grande que transformaram o destino de um ritmo e encantaram gerações.
A trajetória de José Lima Sobrinho (Chitãozinho) e Durval de Lima (Xororó) é um épico brasileiro. Das apresentações infantis em circos e programas de calouros no interior, enfrentando o preconceito que cercava a música sertaneja nos centros urbanos, até o status de fenômeno de vendas e de público absoluto, a dupla trilhou um caminho pavimentado por trabalho duro, inovação e uma conexão visceral com o coração do Brasil. Eles não apenas cantaram; foram arquitetos de uma ponte.
Foram eles, com sua ousadia musical e apuro técnico, que começaram a erodir as barreiras que separavam o sertanejo “raiz” dos grandes centros e da mídia nacional. Introduziram arranjos mais elaborados, incorporaram elementos pop e românticos de forma pioneira, sem jamais perder a essência e a autenticidade que os consagraram no interior. Discos como “Galopeira” e “Coração Brasileiro” não foram apenas sucessos comerciais estrondosos; foram manifestos que provaram a universalidade da dor de cotovelo, do amor e da alegria contadas em português do Brasil, com viola e acordeon.
A homenagem no Prêmio da Música Brasileira carrega múltiplos significados. É, antes de tudo, um tributo à longevidade impressionante. Mais de cinco décadas de estrada, dezenas de discos lançados, milhões de cópias vendidas, incontáveis apresentações que lotaram estádios e casas de espetáculo de norte a sul. É um testemunho do profissionalismo impecável, da voz inconfundível de Chitãozinho e da harmonia perfeita com Xororó, elementos que se mantiveram consistentes ao longo de eras musicais.
Mas, acima de tudo, é o reconhecimento institucional máximo do papel transformador que Chitãozinho & Xororó desempenharam. Eles pavimentaram a estrada por onde passaram as gerações seguintes do sertanejo. Abriram as portas das grandes gravadoras, das emissoras de TV de alcance nacional, das premiações que antes ignoravam o gênero. Ao serem honrados no principal prêmio da Música Brasileira, sem adjetivos ou ressalvas, a dupla coroa não apenas sua própria saga, mas a ascensão definitiva do sertanejo ao Olimpo da cultura musical nacional.
Espera-se, naturalmente, uma apresentação antológica na cerimônia. Qual canção resumirá meio século de glórias? Qual arranjo fará justiça à dimensão da contribuição? Não importa. A imagem dos dois, lado a lado, recebendo a aclamação de seus pares e do público no palco máximo da MPB, será o momento mais eloquente. Será a consagração de que o “som dos interior”, graças ao talento, à coragem e à persistência de dois irmãos, tornou-se, inquestionavelmente, o som de todo o Brasil. A coroa de ouro no templo da música popular é, finalmente, colocada sobre as cabeças dos reis que a conquistaram nota a nota, palmo a palmo.