Da sala de aula ao palco: estudantes da periferia de São Paulo criam espetáculo inspirado em Lady Gaga e encantam o público
Na periferia da zona leste de São Paulo, onde o acesso à cultura muitas vezes esbarra na ausência de equipamentos e investimentos, um grupo de estudantes da Escola Estadual Professor Clóvis Renê Calabrez, em Guaianases, decidiu desafiar as limitações e provar que a arte pode nascer e florescer em qualquer território quando há espaço para criatividade, afeto e determinação.
Sob a orientação do professor Marcelo Henrique Freire Feitosa da Silva, ex-aluno da própria instituição e hoje educador engajado, os jovens conceberam e montaram um espetáculo totalmente autoral inspirado no show “Mayhem na Praia”, apresentação especial de Lady Gaga realizada em maio deste ano em Copacabana.
Foram três meses de preparação intensa, nos quais os estudantes mergulharam profundamente no universo visual e performático da artista norte-americana. Entre reuniões, ensaios, construção de cenários e elaboração de figurinos, a escola se transformou em um verdadeiro laboratório artístico. O projeto, que começou de maneira tímida, logo tomou forma e ganhou o entusiasmo de toda a comunidade escolar.

A apresentação final foi estruturada em três atos cuidadosamente pensados. O espetáculo se abriu com a performance de “Abracadabra”, escolhida para marcar o caráter mágico e transformador da arte. Na sequência, veio “Poker Face”, um dos maiores sucessos de Lady Gaga, interpretado com energia e releitura coreográfica própria dos alunos. Para fechar, “The Dead Dance”, trilha marcante da série Wandinha, trouxe um tom dramático e contemporâneo à produção.
Apesar das referências, tudo foi recriado com assinatura dos estudantes: movimentos, transições, figurinos e ambientações foram desenvolvidos especialmente para a montagem.
De acordo com o professor Marcelo, a missão era clara desde o início: mostrar que a arte também pertence à periferia. “Nosso objetivo era mostrar que a arte também pertence a esses estudantes, mesmo em um contexto de poucos recursos. O que não faltou foi vontade”, afirma.
Ele lembra que, quando era aluno da mesma escola, sentia falta de projetos artísticos que despertassem a imaginação e aproximassem os jovens das expressões culturais. Agora, do lado de cá da sala de aula, procurou oferecer exatamente aquilo que um dia lhe faltou.
As audições internas atraíram dezenas de interessados. Os próprios alunos participaram do processo de seleção e decidiram coletivamente a composição do elenco. Dividiram-se entre áreas como dança, figurino, cenografia, operação técnica e apoio geral. A ideia era criar um ambiente colaborativo que permitisse a cada estudante descobrir ou aperfeiçoar habilidades artísticas e organizacionais.
Os recursos eram mínimos. Mesmo assim, a equipe encontrou soluções criativas. O cenário principal, apelidado de “a gaiola”, foi construído por um serralheiro da região, que se dispôs a ajudar após ouvir a proposta do professor.
A cortina, que no palco profissional costuma ser um elemento caro e imponente, nasceu de tecidos reaproveitados colados com cola quente, alfinetes e muita paciência. Já o figurino principal foi confeccionado a partir de um suéter antigo, transformado completamente com spikes, arames, TNT e tule, em um processo artesanal que envolveu tardes inteiras de trabalho coletivo.
“Usamos roupas dos próprios alunos, cortinas velhas e peças de brechó. Foi um verdadeiro exercício de invenção coletiva”, conta Marcelo, com orgulho. Ele destaca que o processo de criação foi tão importante quanto o resultado final: os alunos aprenderam a improvisar, costurar, planejar, negociar e resolver problemas — habilidades essenciais tanto no campo artístico quanto na vida.
O tablado do palco foi montado com papelão reforçado e TNT, solução econômica que precisou ser adaptada diversas vezes até garantir estabilidade para as coreografias.
Já o sistema de iluminação e som foi operado pelo próprio professor, que se capacitou de maneira autodidata em apenas dois dias para manejar a controladora. A escola conseguiu ainda emprestar uma máquina de fumaça, que acrescentou um toque profissional e aumentou o impacto visual das performances.
As três apresentações realizadas nos períodos da manhã, tarde e noite lotaram o auditório da escola. Entre pais, colegas, moradores do bairro e funcionários, o público se emocionou ao testemunhar o empenho dos jovens. Muitos, ao final, relataram surpresa ao perceber a qualidade do espetáculo produzido com tão poucos recursos.
O evento transformou-se rapidamente em assunto entre os estudantes e ganhou espaço nas redes sociais.
O alcance digital do projeto ultrapassou todas as expectativas: somando YouTube, TikTok e Instagram, as publicações relacionadas à montagem já superam 227 mil visualizações, número que continua crescendo à medida que novos vídeos são compartilhados e o boca a boca digital se fortalece.
Para os protagonistas dessa história, entretanto, o impacto vai muito além dos números. A experiência tocou intimamente cada participante e reforçou o sentimento de pertencimento.
“Foi incrível perceber que a gente é capaz de criar algo bonito, mesmo sem muito dinheiro. Todo mundo ajudou um pouco”, contou a dançarina Julya Gonçalves Russo, 16 anos, emocionada ao lembrar do processo. Ela descreve o projeto como uma oportunidade única de expressão e de fortalecimento da autoestima.
Entre os nomes do elenco estão também Sofia Cristina de Moraes Ferreira da Silva, Sarah Duarte Freire, Isabella da Silva Rocha e Gabriel Jesus Minjione. O grupo, formado por jovens entre 14 e 17 anos, demonstrou enorme comprometimento.
Muitos ficaram na escola além do horário, abriram mão de fins de semana e assumiram responsabilidades para que o espetáculo acontecesse. Houve quem descobrisse talento para costura, para iluminação, para edição de vídeo e até para liderança.
Segundo o professor Marcelo, o projeto não é apenas uma atividade extracurricular, mas um movimento de resistência cultural. Ele acredita que proporcionar acesso à arte dentro da escola pública é uma forma de ampliar horizontes e permitir que os estudantes vislumbrem novas possibilidades de futuro.
“Quando olhamos para esses alunos no palco, vemos muito mais do que um espetáculo. Vemos o futuro sendo construído com coragem, sensibilidade e pertencimento”, ressalta.
Em um cenário no qual jovens da periferia lidam diariamente com desafios sociais, falta de espaços criativos e baixa oferta de políticas culturais, iniciativas como essa surgem como faróis de esperança. Elas reafirmam que a escola pública, quando apoiada por educadores engajados e movidos pela vontade de transformar, pode se tornar um território fértil para descobertas, sonhos e reinvenção.
O espetáculo inspirado em Lady Gaga foi mais do que uma apresentação: tornou-se símbolo da força coletiva e da inventividade que pulsa nas bordas da cidade. Mostrou que, quando a arte encontra espaço — mesmo que improvisado — ela transforma realidades, fortalece identidades e ilumina caminhos que antes pareciam distantes.
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